LUFT, Lya. Reunião de Família. 3.ed. Rio de
Janeiro: Editora Guanabara S.A, 1982.
Lya Luft[1], gaúcha
formada em pedagogia e letras, começou escrevendo crônicas para jornais como o Correio do Povo. Tornou-se professora
universitária de linguística e também trabalhou como tradutora de autores
renomados como Virginia Woolf, mas não parou somente nas crônicas, escrevendo
também poesias e romances, dentre eles o livro Reunião de família.
Aparentemente simples este livro trata de questões do
dia-a-dia, composto por frases curtas e precisas, mas nem por isto menos
interessante, conta a história de Alice, pacata dona de casa que tem de deixar
sua vida comum por todo um final de semana a fim de se reunir com a família, a
pedido de sua cunhada Aretusa, para discutirem sobre a loucura de Evelyn, irmã
de Alice que perdeu em um acidente seu único filho, Cristiano. Ela finge que o
menino está vivo, mas não deixa isto explícito, segurando sempre um palhaço nos
braços que era o brinquedo favorito do menino.
No decorrer deste encontro familiar as personagens vão
deixando lembranças sombrias virem à tona, assim o ambiente da casa do
professor torna-se ainda mais confuso e sufocante. Este encontro acaba sendo o
momento ideal para que os personagens permitam que suas aflições sejam
libertadas e todas as mágoas que existe em cada um deles revela o avesso do que
normalmente aparentam ser.
Isto remete ao leitor pensar de onde estaria vindo todo
aquele clima que agia bruscamente sobre os personagens e o jogo de espelhos que
Alice costumava brincar quando pequena parecia estar se tornando realidade,
pois ela imaginava existir outra Alice dentro do espelho, uma Alice destemida e
corajosa. Criava um mundo de fantasias só dela, mas uma rachadura naquele
espelho grande que ficava sobre a mesa da sala de jantar parecia estar deixando
aquelas pessoas do espelho, aqueles estranhos escaparem e se tornarem reais.
Este ápice pode ser percebido no momento em que todos a
mesa revoltam-se e começam a discutir, colocando para fora tudo o que lhes
incomodava. Até mesmo Evelyn e Alice acabam discutindo. Teria aquela rachadura
deixado escapar o outro lado? Esta impressão é marcada pelo pensamento de Alice
que diz “Espio rapidamente meu reflexo no espelho, aquela não é a pacata
dona-de-casa, é uma mulher má, cara cortada ao meio pela rachadura do vidro”.
(LUFT, 1982, p.104)
O mais curioso é que Lya Luft brinca com os sentidos em
seu livro, o espelho, como podemos perceber faz referencia ao verdadeiro eu que
cada um dos personagens esconde da sociedade. Outro fato é o álamo decepado no
quintal da casa que apesar de não possuir mais uma copa parecia ter suas raízes
ainda mais vivas do que antes, quebrando a calçada da casa, ele faz referencia
direta ao menino morto, que também teve parte de si decepado, virando apenas um
pedaço de menino, o que dá a entender que Cristiano ainda vive nas raízes da
árvore. O palhaço, sua simbologia na literatura desde os tempos antigos é o
inverso do rei, pois existe o rei que é o supremo e o bobo que ao rei diverte.
Logo, isto nos remete a pensar que Cristiano era o rei da casa, único que
conquistara até mesmo a afeição do professor e o palhaço era Cristiano morto, o
qual Evelyn embalava gentilmente como se fosse o filho.
Os personagens de Lya parecem acomodados, ela realmente
retrata a vida em família como ela é. O leitor fica a espera de uma reação, de
uma solução para aquela situação de pânico, de horror e aflição, mas esta não
vem. Demonstrando que muitas vezes nós realmente deixamos as coisas como estão.
Esta aceitação a uma vida sem muitos objetivos, como a da personagem Alice é a
vida de muitas pessoas oprimidas, que por falta de outra opção simplesmente
aceita seu destino. Alice quer se convencer que sua vida é boa, como quando
diz:
A
essa altura, o pior passou: as dúvidas, as inquietações, encobertas pelas
paradas águas da rotina. Sou apenas uma dona-de-casa, vida exclusivamente
doméstica, marido e dois filhos que já são quase homens e nunca me deram preocupação.
(LUFT, 1982. p.11)
Tudo isto torna a leitura de Reunião de família muito interessante podendo fazer com que o
leitor ame, ou odeie o desfecho final. Particularmente gostei do livro, porém
penso que houve algumas ideias mal desenvolvidas sendo deixadas subentendidas,
o que tornou a leitura um tanto confusa. Luft deixa os leitores curiosos,
pensando que finalmente iria acontecer algo que mudasse tudo aquilo, mas não.
Tudo continua normal e aquele se torna somente mais um final de semana em
família o que me causou certa frustração. Em suma, é um excelente romance que
explora a percepção dos leitores para conseguir entender as mensagens nas
entrelinhas.